Monday, December 11, 2006

Ao meu pequenino e insignificante passado


Não foi uma tarde nada romântica, nem com nenhum cliché em especial, não chovia nem estava de noite, nem nada mesmo(!), mas foi nessa tarde que o meu pai se lembrou de se sentar ao meu lado e contar-me que nos iamos embora. Lembro-me de tudo, desde onde é que ele se sentou até aquilo que ele disse, apesar de na altura não ter percebido bem o porquê de tanto nervosismo, e tentativa de convencer alguém que já estava mais que convencida. Sim, porque eu tinha lá estado quando a minha mãe atendeu o telefone amarelinho e lhe disseram que “devido à sua polivalência” ela tinha sido aceite na escola lá do outro lado do mundo, e com tanta felicidade como havia eu de não ter ficado contagiada? “Já viste como vai ser giro dizeres aos teus amigos que já moraste na China?”. Na altura não percebi mesmo porque não estar outra coisa senão feliz porque ia mudar de país, mas na altura também ainda ninguém me tinha dito que os amigos não são eternos.

Lembro-me bem dos últimos momentos na santa terrinha, especialmente do fazer a mala, empacotar “Nenucos” nus, a única mochila com brinquedos que eu podia levar, o boneco que ficou comigo, e, nunca soube bem porquê, a ultima reprimenda que a minha professora da terceira classe me deu: “andas para aí a a embirrar com a tua amiga, mas vais ver que quando te fores embora ela vai ser dos únicos amigos que tu vais continuar a ter”. Secalhar foi porque eu estava convencida de que ia ficar com todos, ou mais provavelmente porque era uma coisa um bocado brutal para se dizer a um “puto”, mas a verdade é que na altura marcou-me a ponto de eu nunca mais me ter esquecido.

Passou-se a minha festa de despedida, umas ferias na terrinha, festas de anos, mais despedidas de amigos, mais amigos, enfim... dez anos. Ao fim de tantos anos fui aprendendo que era normal as pessoas perderem o contacto umas com as outras. Não sei se os meus “ex-amigos” ainda se lembram de mim com a nitidez com que eu me lembro deles, mas é claro que para mim tê-los perdido a todos foi um choque muito maior do que a eles, que se tinham uns aos outros, me terem perdido a mim.

Anos depois, quando já tinha passado o tempo em todo o lado, menos na minha cabeça, decidi voltar a minha escola de quando era pequenina. E não é que tinha mudado tudo? Muitos professores já lá não estão, os que lá estão ficaram mais velhos, as salas são minúsculas, a gigi (a cadela irritante “filha” da dona, e melhor professora, da escola) tinha morrido, o refeitório gigantesco encolheu e o palco que havia no meio do jardim está irreconhecivelmente pequeno. Foi triste, mas acima de tudo nostálgico ter voltado lá, especialmente porque, nem mesmo dez anos depois eu tinha desligado daquele sítio. E foi com essa visita que morreram todas as minhas esperanças de voltar a encontrar algum amigo de infância. Achei finalmente que, tal qual a escola que tinha envelhecido e mudado sem mim, também os meus “amigos” tinham de certeza feito o mesmo.

Depois disso lá fui falando com um via internet, e lá encontrei mais um ou dois colegas que acharam graça falar com “aquela pessoa que se tinha ido embora, sabe-se lá porque, aos oito anos e desapareceu do mapa”. Ao fim de tantos anos, depois de duas linhas de conversa é natural que “o tempo” comece logo a ser uma boa sugestão de conversa, e um “então depois vai dando notícias” apropriado, visto que as pessoas mudam tanto, e vão por caminhos tão diferentes que já não há nada, ou quase nada, que fique.

Tenho genuinamente saudades de todos os amigos que fui perdendo, ou porque eu me fui embora de Portugal, ou porque eles se vieram embora de Macau. Tenho saudades de muito momentos que passei com eles, mas também tenho noção que tenho saudades das pessoas que eles eram na altura e de quão bem o “eu” da altura se dava com eles. Secalhar se os re-encontrasse a todos, poucos seriam aqueles com quem eu ainda me indentificaria. Mas, bem ou mal, gosto do meu pequeninissimo, quase insignificante mesmo, passado.

4 comments:

somemarbles said...

de facto, os amigos de infância só fazem sentido, quando a infância foi partinhada..

El-Gee said...

Este texto deixou-me arrepiado da cabeça aos pés. Todo ele respira nostalgia.

Para começar, senti ternura pela menina de 8 anos que é levada para a China e arrancada à doce estabilidade da infância. Depois de um lapso de 10 anos, senti tanta nostalgia que ia caindo da cadeira, no regresso ao liceu e a um passado que poderia ter sido. Foi essa, aliás, a parte que mais me intrigou: essas saudades que sentes de algo que não viveste. Não leio nas tuas palavras saudades dos amigos da terceira classe (embora admita que tenhas alguma saudade da escola), mas sim um formigueiro interior que te leva a perguntar como tudo teria sido diferente, se tivesses tido uma infância dita normal. A mim, não só me comove qualquer despedida, como me toca profundamente o facto de sermos obrigados a fazer escolhas que mudam as nossas vidas. No teu caso, a escolha foi feita por outra pessoa e tu foste levada por um caminho que não é aquele que vês na maioria das outras pessoas.

Por certo, teres um percurso mais sui generis não fez de ti uma pessoa menos feliz do que os restantes colegas de terceira-classe, mas é óbvio que te tornou em alguém muito mais consciente da vida, das escolhas, dos trade-offs, do "e se". É uma história muito valiosa, a tua, porque é o exemplo de alguém que não só vive a realidade como a possibilidade de outra realidade.

Por isso é que te entristeces, de certa forma, com a distância que vês entre ti e os (poucos) amigos que reencontraste: na pouca afinidade que têm entre vocês, reside a tua confirmação de que, para teu receio, ao estar na China perdeste a infância em Portugal. Posso estar enganado, mas diria que a tua maior tristeza (que se manifesta na visita ao liceu, na procura dos ex-colegas, na escrita deste post) foi confirmar que não te está permitido o acesso aos dois Mundos e que a tua infância e adolescência foram e são, de facto, na China.

Aqui, podias depois questionar - e, esse sim, é o ponto que pode transformar a tua história numa tragédia - se a tua infância na China foi, ou não, feliz e se foi, ou não, limitadora do teu futuro, das tuas relações pessoais, dos teus laços geográficos. (Sem dúvida que, obrigatoriamente, tens de ser hoje uma pessoa sem uma casa geográfica concreta, pois tens a raíz num sítio, a infância noutro e as amizades espalhadas. Nesse sentido, a tua casa será provavelmente a tua família).

Por certo que não és hoje uma portuguesa típica, com amigos de infância que revês semanalmente, com histórias comuns que podes recordar com as mesmas pessoas sempre que queres, com um sólido grupo de amigos. Não podes, também, rever, todas juntas, as pessoas que fazem parte do teu passado, no mesmo local onde foram felizes. Não tens isso. Mas tens outros ganhos, outras virtudes, outras vivências. De certeza que também tiveste os teus amigos, a tua felicidade, a tua infância expatriada. De certeza que tens fortes laços com os teus pais. De certeza que és uma pessoa mais pura, mais sensível, mais aberta, mais interrogadora.

Diria que, quase obrigatoriamente, és uma pessoa em Busca, e a Busca é a maior felicidade, e só está reservada àqueles que fogem - por opção ou obrigação - do conforto da banalidade.

Fora isso tudo, adorei a tua escrita e a forma aparentemente intuitiva com que consegues transpor os teus sentimentos para palavras - essa é, para mim, a mais complicada e nobre das artes.

Unknown said...

QUIM BARREIROS!!!
Hello Makoka! How are you? I have absolutely no idea what your blog says, but I assume it's nice things. I'm off to a criminal seminar in 40 mins havn't finished preparing yet!!! ARGH!!!

Anyway nice blog catch ya laters!

Rita said...

ola marta, sei que talvez não te lembres de mim ou até te lembres...mas a verdade é que ao ler este teu post me senti como uma das pessoas que compõem o teu passado. Sempre desejei dizer-te algo e ao mesmo tempo não soube o que dizer, é engraçado como todos os dias te vejo online no msn e mesmo assim não sei como começar uma simples conversa, até mesmo só com um simples olá.

Embora não seja do grupo da 3ª classe a que te referes, fomos colegas no 5º ano, no liceu de macau...até apostava dizer melhores amigas, mas o que é certo, e como tu bem dizes, é que muita coisa muda em pouco tempo.

Custa-me dizer estas coisas, mas o que é certo é que também eu adorava que as coisas fossem diferentes e penso sempre no "e se...". É de macau que guardo as melhores recordações e tu és uma delas. Assim, como é possível fazeres parte das minhas recordações favoritas e ao mesmo tempo não saber o que te dizer...fomos o par nas danças da escola em que eu fazia de rapaz na música do grease, faziamos os trabalhos de grupo em casa umas das outras e mesmo com tanta coisa, até um simples olá é dificil de sair...talvez por ser uma pessoa tímida, talvez por já ter passado tanto tempo e não saber por onde começar a pôr a conversa em dia.

Mas o importante é que as pessoas podem ir para sítios diferentes, arranjar amigos diferentes, mudar toda a a sua vida e mesmo assim lembram-se das pequenas coisas que marcaram o passado. Porque toda a gente deixa uma marca no nosso coração, marca essa sempre especial.

É com isso que pretendo dizer que te pode parecer que a escola é diferente, que perdeste tudo o que foste criando no passado, mas o que é certo é que tudo o que constrois, mantém-se solidificado...nunca desaparece!!

beijos da rita maio =)