Não foi uma tarde nada romântica, nem com nenhum cliché em especial, não chovia nem estava de noite, nem nada mesmo(!), mas foi nessa tarde que o meu pai se lembrou de se sentar ao meu lado e contar-me que nos iamos embora. Lembro-me de tudo, desde onde é que ele se sentou até aquilo que ele disse, apesar de na altura não ter percebido bem o porquê de tanto nervosismo, e tentativa de convencer alguém que já estava mais que convencida. Sim, porque eu tinha lá estado quando a minha mãe atendeu o telefone amarelinho e lhe disseram que “devido à sua polivalência” ela tinha sido aceite na escola lá do outro lado do mundo, e com tanta felicidade como havia eu de não ter ficado contagiada? “Já viste como vai ser giro dizeres aos teus amigos que já moraste na China?”. Na altura não percebi mesmo porque não estar outra coisa senão feliz porque ia mudar de país, mas na altura também ainda ninguém me tinha dito que os amigos não são eternos.
Lembro-me bem dos últimos momentos na santa terrinha, especialmente do fazer a mala, empacotar “Nenucos” nus, a única mochila com brinquedos que eu podia levar, o boneco que ficou comigo, e, nunca soube bem porquê, a ultima reprimenda que a minha professora da terceira classe me deu: “andas para aí a a embirrar com a tua amiga, mas vais ver que quando te fores embora ela vai ser dos únicos amigos que tu vais continuar a ter”. Secalhar foi porque eu estava convencida de que ia ficar com todos, ou mais provavelmente porque era uma coisa um bocado brutal para se dizer a um “puto”, mas a verdade é que na altura marcou-me a ponto de eu nunca mais me ter esquecido.
Passou-se a minha festa de despedida, umas ferias na terrinha, festas de anos, mais despedidas de amigos, mais amigos, enfim... dez anos. Ao fim de tantos anos fui aprendendo que era normal as pessoas perderem o contacto umas com as outras. Não sei se os meus “ex-amigos” ainda se lembram de mim com a nitidez com que eu me lembro deles, mas é claro que para mim tê-los perdido a todos foi um choque muito maior do que a eles, que se tinham uns aos outros, me terem perdido a mim.
Depois disso lá fui falando com um via internet, e lá encontrei mais um ou dois colegas que acharam graça falar com “aquela pessoa que se tinha ido embora, sabe-se lá porque, aos oito anos e desapareceu do mapa”. Ao fim de tantos anos, depois de duas linhas de conversa é natural que “o tempo” comece logo a ser uma boa sugestão de conversa, e um “então depois vai dando notícias” apropriado, visto que as pessoas mudam tanto, e vão por caminhos tão diferentes que já não há nada, ou quase nada, que fique.
Tenho genuinamente saudades de todos os amigos que fui perdendo, ou porque eu me fui embora de Portugal, ou porque eles se vieram embora de Macau. Tenho saudades de muito momentos que passei com eles, mas também tenho noção que tenho saudades das pessoas que eles eram na altura e de quão bem o “eu” da altura se dava com eles. Secalhar se os re-encontrasse a todos, poucos seriam aqueles com quem eu ainda me indentificaria. Mas, bem ou mal, gosto do meu pequeninissimo, quase insignificante mesmo, passado.